10 de jul. de 2007

Do silêncio


Pedro Kilkerry


É o Silêncio...
É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz nalgum volume sobre a mesa...
Mas o sangue da luz em cada folha.
Não sei se é mesmo a minha mão que molha
A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, num passado.
E enfolha
A natureza
tua natureza.Mas é um bulir das cousas...
Comovido
Pego da pena, iludo-me que traço
A ilusão de um sentido e outro sentido.
Tão longe vai!
Tão longe se aveluda esse teu passo,
Asa que o ouvido anima...E a câmara muda.
E a sala muda, muda...Afonamente rufa.
A asa da rimaPaira-me no ar.
Quedo-me como um BudaNovo,
um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante como quem sacuda
Um pesadelo de papéis acima... E abro a janela.
Ainda a lua esfiaúltimas notas trêmulas...
O diaTarde florescerá pela montanha.
E ó minha amada, o sentimento é cego...Vês?
Colaboram na saudade a aranha,
Patas de um gato e as asas de um morcego.






.enviada por Liana



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3 de jul. de 2007

O Poema


Pudesse Eu

Pudesse eu

não ter laços nem limites

Ó vida de mil faces transbordantes

Para poder responder

aos teus convites

Suspensos na surpresa

dos instantes!




.
Sophia de Mello Breyner Andreson



enviado por Liana
colagem: Jugioli
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22 de jun. de 2007

Água-cor



Água-cor

O País da cor é líquido
E revela-se
Na anilina dos vasos da farmácia.
Basta olhar, e flutuo sobre o verde
Não verde-mata, o verde-além-do verde.

E o azul é uma enseada
Na redoma.
Quizera nascer lá; estou nascendo.
Varo a lágrima de ouro do amarelo.
A cor é existente; o mais é falácia.


Carlos Drummond de Andrade.


fotomontagem: Jugioli

18 de jun. de 2007

O Lugar da casa


O lugar da Casa

Uma casa que fosse um areal
Deserto, que nem casa fosse;
Só um lugar
Onde o lume foi acesso, e à sua roda
Se sentou a alegria; e aqueceu
As mãos, e partiu porque
Tinha um destino:
Crescer como árvore,
Resistir ao vento,
Ao rigor da invernia.
A certa manhã sentir os passos de abril
Ou ,quem sabe?, a floração dos ramos,
E de novo estremecem
Com o repentino canto da cotovia.

(Eugênio de Andrade)


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15 de jun. de 2007

Bactérias poéticas


Augusto dos Anjos

A um gérmen
Começaste a existir, geléia crua,
E hás de crescer, no teu silêncio, tanto
Que, é natural, ainda algum dia, o pranto
Das tuas concreções plásmicas flua!

A água, em conjugação com a terra nua,
Vence o granito, deprimindo-o ...
O espanto
Convulsiona os espíritos, e, entanto,
Teu desenvolvimento continua!
Antes, geléia humana, não progridas
E em retrogradações indefinidas,
Volvas à antiga inexistência calma!...
Antes o Nada, oh! gérmen, que ainda haveres
De atingir, como o gérmen de outros seres,
Ao supremo infortúnio de ser alma!


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22 de mai. de 2007

Hemingway e o tempo


Descascando Laranjas

Ernest Hemingway, o autor do clássico “ O Velho e o Mar”, misturava momentos de dura atividade física com períodos de inatividade total. Antes de sentar-se para escrever as páginas de um novo romance, passava horas descascando laranjas e olhando o fogo.
Certa manhã, um repórter notou esse estranho hábito.

“Você não acha que está perdendo tempo?”, perguntou o repórter. “ Você é tão famoso, não deveria fazer coisas mais importantes?”

“Estou preparando a minha alma para escrever, como um pescador prepara seu material antes de sair ao mar”, respondeu Hemingway. “ Se ele não fizer isso e achar que só o peixe é importante, jamais irá conseguir coisa alguma”.
.....
pintura: Yvan Aivazovsky (1917-1900)

12 de mai. de 2007

Manuel Bandeira



Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público
Com livro de ponto expediente
Protocolo e manifestações de
Apreço ao Sr. Diretor.

Estou farto do lirismo que pára
E vai averiguar dicionário
O cunho vernáculo de um
Vocábulo.

Abaixo os puristas.

Todas as palavras sobretudo os
Barbarismos universais.
Todas as construções sobretudo
As sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo
Os inumeráveis.

Estou farto do lirismo namorador
Político
Sifilítico
De todo lirismo que capitula
Ao que quer que seja
Fora de si mesmo

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela
De cosenos secretário
Do amante exemplar com
Cem modelos de cartas
E as diferentes maneiras
De agradar às mulheres,
Etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Skakespeare

Não quero mais saber do lirismo
Que não é libertação.
.
Manuel Bandeira
.

6 de mai. de 2007

Finisterrae



Aqui começa o fim


Feito de vento.

Enlouqueceu a bússola

Do tempo.


Naufragam as certezas

Do infinito.

Aqui se acaba o mapa

Nasce o mito.


Aqui começa a morte

Em naves findas.

Aqui começa o medo.


Como um grito.


Renata Pallottini

26 de abr. de 2007

Intervalos do Tempo



Acordo de noite subitamente
E o meu relógio ocupa a noite toda.
Não sinto a natureza lá fora,
O meu quarto é uma coisa escura,
Com paredes vagamente brancas.

Lá fora há um sossego como se nada existisse.
Só o relógio prossegue o seu ruído.

E esta pequena coisa de engrenagens que está
Em cima da minha mesa
Abafa toda a existência da terra e do céu...
Quase que me perco a pensar
O que isto significa,

Mas estaco, e sinto-me
Sorrir na noite com os cantos da boca,
Porque a única coisa que o meu relógio
Simboliza ou significa
É a curiosa sensação de encher a noite enorme
Com sua pequenez.


Fernando Pessoa

17 de abr. de 2007

Diálogos


Diálogos


Há tantos diálogos

Diálogos com o ser amado
O semelhante
O diferente
O indiferente
O oposto
O adversário
O surdo- mudo
O possesso
O irracional
O vegetal
O mineral
O inominado

Diálogos consigo mesmo

Com a noite
Os astros
Os mortos
As idéias
O sonho
O passado
O mais que futuro

Escolhe teu diálogo e
Tua melhor palavra
Ou teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o
Silêncio
Dialogamos.

Carlos Drummond de Andrade
In: Discurso de Primavera e algumas sombras.
Ed. José Olympio.
Foto: Doisneau

29 de mar. de 2007

Maria-Helena Vieira da Silva



Testamento




Um azul cerúleo para voar alto.
Um azul cobalto para a felicidade.
Um azul ultramarino para estimular o espírito.
Um vermelhão para o sangue circular alegremente.
Um verde musgo para apaziguar os nervos.
Um amarelo ouro: riqueza.
Um violeta cobalto para o sonho.
Um garança para deixar ouvir o violoncelo.

Um amarelo barife: ficção científica e brilho; resplendor.

Um ocre amarelo para aceitar a terra.
Um verde veronese para a memória da primavera.
Um anil para poder afinar o espírito com a tempestade.
Um laranja para exercitar a visão de um limoeiro ao longe.
Um amarelo limão para o encanto.

Um branco puro: pureza.

Terra de siena natural: a transmutação do ouro.

Um preto sumptuoso para ver Ticiano.

Um terra de sombra natural para aceitar melhor
A melancolia negra.
Um terra de siena queimada para o sentimento
De duração.

Maria-Helena Vieira da Silva
(1908-1992)


Contribuição: Jugioli

28 de mar. de 2007

Baladilha de quarta


(acesse na imagem para ler o poema)
Contribuição de Liana para o contraponto

18 de mar. de 2007

Confidências




Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça e contar histórias ricas
que ainda não viajei!

Traze tinta encarnada para escrever estas coisas!
Tinta cor de sangue, sanque!
verdadeiro, encarnado!

Mãe, passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens
e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!

Eu vou viajar. Tenho sede!
Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou aprender de cor
os degraus da nossa casa.
Depois venho sentar-me a teu lado.
Tua a coseres e eu a contar-te as minhas viagens,
aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei,
escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! ata as tuas mãos as minhas e dá um nó-cego
muito apertado!
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa.
Como a mesa.
Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente
para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão
pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo
tão verdade!


Almada Negreiros ( in Antologia da Poesia Portuquesa)

5 de mar. de 2007

Emily Dickinson


Uma palavra morre
Quando é dita
Dir-se-ia
Pois eu digo
Que ela nasce
Nesse dia.
Ilustração: Mira Schendel


tradução aíla de oliveira gomes

A word is dead
When it is said,
Some say.
I say it just Begins to live
That day.

Enviada por Liana

27 de fev. de 2007

Modos de Ver


Eugénio de Andrade
.
.
Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós
não respondemos,
se alguém nos pede amor
não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão
apodrecidos.
.
.
Jugioli

15 de fev. de 2007

Victor Hugo 2


Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso
e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo,
que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes,
e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você sesentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.

E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga `Isso é meu`,
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e
sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,

E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.
.
.
Aquarela: Jugioli
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Contraponto indica um novo participante
Trazendo contribuições de poesias e afins
(acesse para visualizar o link)
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8 de fev. de 2007

Victor Hugo



Emergindo de um feixe de luz sem nome eu vejo
Flores monstruosas e rosas amedrontadoras.
Eu sinto que sem intenção escrevo todas estas coisas
Que parecem, no pergaminho cru e trêmulo,
Sair sinistramente das sombras de minha mão.
Por acaso, grande respiração insensível,
Dos profetas, é você que perturba meus pensamentos?
Então para onde estou sendo conduzido neste azul noturno?
É o céu que vejo? Estou eu no comando?
Escuridão, estou fugindo? Ou estou perseguindo?

Tudo se entrega. Às vezes não sei se sou
O cavaleiro orgulhoso ou o cavalo selvagem;
Tenho o cetro em minha mão e o pedaço em minha boca.
Abram-se e deixem-me passar, abismos, golfo azul,
Golfo negro! Silencia-te trovão!
Deus, onde estás me levando?
Eu sou a vontade, mas sou o delírio.
Oh, vôo no infinito!
Às vezes eu digo em vão,
Como Jesus chamando “Lamma Sabacthani”,
O caminho ainda é longo?
Está terminado, Senhor?
Tu me deixarás dormir em breve?
O espírito faz o que quer.
Eu sinto a respiração rápida
Que Elisha sentiu, que o levantou;
E na noite escuto alguém me ordenando que siga!



De Lê germe parfois...”

(O bem às vezes germina), da coleção Toute la lire, publicado em 1888


Contribuição de Jugioli

6 de fev. de 2007

Cecília Meireles


Por que me falas nesse idioma?
perguntei-lhe, sonhando.
Em qualquer língua se entende essa palavra.

Sem qualquer língua.

O sanque sabe-o.
Uma inteligência esparsa aprende
esse convite inadiável.

Buzios somos, moendo a vida inteira,
essa música incessante.

Morte, morte.

Levamos toda a vida morrendo em surdina.

No trabalho, no amor, acordados em sonhos.

A vida é a vigilância da morte,
até que o seu fogo veemente nos consuma
sem a consumir.


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MOTIVO
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
Se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei.
Não sei se fico ou passo.
Sei que canto.
E a canção é tudo.
Tem sangue eterno, a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:- mais nada.




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Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro em 1901. Concluiu, em 1917, o Curso Normal, e passou a trabalhar como professora primária. Dois anos depois publicou Espectros, seu primeiro livro de poesia, de tendência parnasiana. Seguiram-se Nunca Mais... e Poema dos Poemas (1923) e Baladas para El-Rei (1925), nos quais já aparecem elementos simbolistas. A partir de 1922 aproximou-se das vanguardas modernistas, principalmente dos poetas católicos. Em 1938 ganhou o Prémio de Poesia, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Viagem. Nos anos seguintes, conciliou à produção poética os trabalhos de professora universitária, tradutora, conferencista, colaboradora em periódicos, pesquisadora do folclore brasileiro. Publicou também poesia infantil. A Academia Brasileira de Letras concedeu a Cecília, postumamente, o Prémio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra, em 1965. Faleceu em 1964. »

4 de fev. de 2007

Octavio Paz


IRMANDADE

Sou homem:
duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.


(Trad. Antônio Moura)

Enviado por Liana

30 de jan. de 2007

Ressonâncias : enviado por Liana


Por mais que uma vela
seja vizinha
de outra chama,
por mais que uma vela
seja seguida
pela caravela de sopros,
por mais que uma vela, segure a barra do vestido,
na ascensão,
a vela é sempre solitária,
uma forma da luz
ser indigente.

Fabrício Carpinejar

22 de jan. de 2007

Poemas

> Lento mas vem> Mario Benedetti> >


Lento mas vem > o futuro se aproxima> devagar> mas vem> > hoje está mais além> das nuvens que escolhe> e mais além do trovão> e da terra firme> > demorando-se vem > qual flor desconfiada> que vigia ao sol > sem perguntar-lhe nada> > iluminando vem > as últimas janelas> > lento mas vem > o futuro se aproxima> devagar> mas vem> > já se vai aproximando> nunca tem pressa > vem com projetos > e sacos de sementes> > com anjos maltratados> e fiéis andorinhas> > devagar mas vem > sem fazer muito ruído> cuidando sobretudo> os sonhos proibidos> > as recordações dormidas> e as recém-nascidas> > lento mas vem > o futuro se aproxima> devagar> mas vem> > já quase está chegando> com sua melhor notícia> com punhos com olheiras> com noites e com dias> > com uma estrela pobre> sem nome ainda > > lento mas vem> o futuro real > o mesmo que inventamos> nos mesmos e o acaso> > cada vez mais nós mesmos> e menos o acaso> > lento mas vem > o futuro se aproxima> devagar> mas vem> > lento mas vem > lento mas vem> lento mas vem>
###################################################### >



Nove Haicais> Dalton Trevisan > > 1> Dou com um perneta na rua e, ai de mim, pronto começo a manquitolar.> > 2> Uma bandeja inteira de pastéis. Como escolher um deles? São tantos.> — Fácil: deixe que ele te escolha.> > 3> A tipinha de tênis rosa para o avô que descola um dinheirinho:> — Pô, você me salvou a vida, cara!> > 4> O inimigo de futebol:> — O meu amor pela Fifi é maior que o amor pelo Brasil.> A doce pequinesa que sofre dos nervos com a guerra da buzina, corneta,> bombinha, foguete.> > 5> — Sabe o que o João deu para o nenê, filho dele? Meia dúzia de fraldas e um> pião amarelo.> > 6> — Casei com uma puta do Passeio Público. Tinha tanto piolho que, uma noite> dormia de porre, botei um pó no cabelo dela. Dia seguinte, lavou a cabeça e> ficou meia cega.> > 7> De repente a mosca salta e pousa na toalha branca. Você a espanta, sem que voe> — uma semente negra de mamão.> > 8> Parentes e convidados rompem no parabéns pra você. De pé na cadeira, a> aniversariante ergue os bracinhos:> — Pára. Pára. Pára.> Na mesa um feixe luminoso estraga o efeito das cinco velinhas.> — Mãe, apaga o sol.> > 9> A chuva engorda o barro e dá de beber aos mortos.> >
################################################# >


Memória> Carlos Drummond de Andrade> > Amar o perdido> deixa confundido> este coração.> Nada pode o olvido> contra o sem sentido> apelo do Não.> As coisas tangíveis> tornam-se insensíveis> à palma da mão> Mas as coisas findas> muito mais que lindas,> essas ficarão.> > > "Não tenho a menor pretensão de ser eterno. Pelo contrário: tenho a impressão> de que daqui a vinte anos eu já estarei no Cemitério de São João Baptista.> Ninguém vai falar de mim, graças a Deus. O que eu quero é paz". CDA> >

8 de dez. de 2006

6 de dez. de 2006

Poesia: Sophia de Mello B. Andresen


"Poema de Geometria e de Silêncio
Ângulos agudos e lisos
Entre duas linhas vive o branco."

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INSTANTE

"Deixai-me limpo
o ar dos quartos
E liso
O Branco das paredes
Deixai-me com as coisas
Fundadas no silêncio."

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Foto: O Atelier Silencioso
de David Douglas Ducan.

25 de nov. de 2006

Ventana sobre la memoria


I
A orillas de otro mar, otro alfarero se retira en sus años tardíos.
Se le nublan los ojos, las manos le tiemblan, ha llegado la hora del adiós.
Entonces ocurre la ceremonia de la iniciación: el alfarero viejo ofrece al alfarero joven su pieza mejor.
Así manda la tradición, entre los indios del noroeste de América:
el artista que se va entrega su obra maestra al artista que se inicia.
Y el alfarero joven no guarda esa vasija perfecta para contemplarla y admirarla, sino que la estrella contra el suelo, la rompe en mil pedacitos, recoje los pedacitos y los incorpora a su arcilla.(...)

Eduardo galeano

alfarero - aquele que trabalha em olaria; ceramista

Contribuição de Liana

23 de nov. de 2006

INVENÇÃO DE ORFEU

Canto I, 26

Qualquer que seja a chuva desses campos

Devemos esperar pelos estios;

E ao chegar os serões e os fiéis enganos

Amar os sonhos que restarem frios.

Porém se não surgir o que sonhamos

E os ninhos imortais forem vazios,

Há de haver pelo menos por ali

Os pássaros que nós idealizamos.

Feliz de quem com cânticos se esconde

E julga tê-los em seus próprios bicos,

E ao bico alheio em cânticos responde.

E vendo em torno as mais terríveis cenas,

Possa mirar-se as asas depenadas

E contentar-se com as secretas penas.

Jorge de Lima

Enviado por Liana

8 de nov. de 2006

Poesias Manoel de Barros


Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância, etc. (essas coisas que acham os reveladores de arcanos mentais) Não. Parede que me seduz é de tijolo, adobe preposto ao abdômen de uma casa. Eu tenho um gosto rasteiro de ir por reentrâncias baixar em rachaduras de paredes por frinchas, por gretas - com lascívia de hera. Sobre o tijolo ser um lábio cego. Tal um verme que iluminasse.
Poesia enviada por Liana

3 de nov. de 2006

Fragmento de "Altazor" Vicente Huidobro


Do Canto I

(...)

Sou todo homem
O homem ferido sabe-se lá por quem
Por uma flecha perdida do caos
Humano terreno desmesurado
Sim desmesurado e proclamo sem medo
Desmesurado porque não sou burguês nem
raça fatigada
Sou bárbaro talvez
Desmesurado enfermo
Bárbaro limpo de rotinas e caminhos marcados
Não aceito vossas selas de segurança cômodas

Sou o anjo selvagem que caiu certa manhã
Em vossas plantações de preceitos
Poeta
Antipoeta
Culto
Anticulto
Animal metafísico carregado de tormentos
Animal espontâneo direto sangrando seus problemas
Solitário como um paradoxo
Paradoxo fatal
Flor de contradições bailando um fox-trot
Sobre o sepulcro de Deus.

(...)


Trad. Antonio Risério e
Paulo C. Souza

Contribuição: Liana

Dá-me a tua mão

Clarice Lispector

Dá-me a tua mão
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.

De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como via a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
-nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.


Poema enviado por Liana
3.11.2006


Entrevista com Clarice Lispector em Contraponto Cinemateca

Poesias

Do desejo

Hilda Hilst

Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos,
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo.
Por que não posso Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora

E tudo isso em nós que se fará disforme?


Poema enviado por Liana para reflexões no Contraponto

03/11/06